Por David Kupfer
O mundo dá voltas e, com ele, as ideias, os fatos e, evidentemente, a política econômica. Vinte anos após ter surgido como a menina dos olhos da reflexão sobre os rumos da economia brasileira, o tema da competitividade está novamente ganhando força como um dos principais focos do debate sobre os desafios com que se defronta o país.
Mas a história não se repete, razão pela qual a competitividade retorna em um quadro ideológico, fatual e político completamente distinto. Lá na virada dos anos 1990, o lema muito bem poderia ser descrito como "competitividade ou morte", essência do darwinismo social que se implantou no país, por meio de mudanças institucionais que abriram a economia brasileira sem prepará-la adequadamente para isso. A competitividade era vista como o caminho para retirar as empresas brasileiras de uma trajetória de uma década de estagnação. Agora, a competitividade está ressurgindo como condição para sustentar um ciclo duradouro de desenvolvimento. O novo lema poderia ser sintetizado como "competitividade ou baixo crescimento". Existem dois conceitos de competitividade cujo entendimento pode ajudar a demarcar essas diferenças. Um é a chamada competitividade revelada, que é reflexo do desempenho de empresas, setores, regiões ou economias nacionais na manutenção ou conquista de parcelas de mercado. O outro é a chamada competitividade potencial, que é determinada pela qualidade dos recursos competitivos acumulados e pela competência em mobilizá-los. Apoia-se, portanto, em múltiplos determinantes, distribuídos em uma dimensão empresarial (relacionada aos recursos e competências criados pelas empresas); uma dimensão estrutural (consequência dos padrões de concorrência que se estabelecem nos mercados) e uma dimensão sistêmica (associada ao ambiente geral de negócios em que se dá atividade produtiva). Na rodada de vinte anos atrás a indústria não se reestruturou e vem daí parte dos problemas que ainda a perseguem De certo modo, nos anos iniciais da década de 1990, diante da profunda desorganização macroeconômica da época, é como se o conceito de competitividade-desempenho tivesse prevalecido. A natureza defensiva da reestruturação empreendida pela indústria brasileira manifestou-se na adoção pelas empresas de estratégias de sobrevivência que, embora mais uma vez tenham comprovado a capacidade de resposta do empresariado nacional, não proporcionaram um salto qualitativo do ponto de vista da competitividade. Ao contrário de uma ampla atualização do parque industrial, as empresas optaram pelo "enxugamento" da produção, com o abandono de linhas de produtos de maior nível tecnológico em favor de produtos mais padronizados. Esse processo de simplificação industrial, oposto à tendência internacional da época, provocou um significativo descolamento da matriz produtiva nacional em relação aos segmentos mais dinâmicos da indústria mundial. No presente, a noção de competitividade que está retornando ajusta-se melhor ao conceito potencial. No entanto, devido a causas que merecem reflexão, a agenda de competitividade que está posta na mesa está excessivamente restrita à dimensão sistêmica. Percebe-se isso pela prevalência de medidas de política direcionadas para a melhoria das condições gerais de produção, por meio da redução de custos de importantes itens como energia, logística, encargos trabalhistas, desonerações tributárias, dentre outros. Não se discute a pertinência e mesmo a premência em se avançar nesse campo, razão pela qual a pressão da sociedade sobre o governo em busca de soluções eficazes para a redução do chamado custo Brasil não somente é justificável como desejável. De fato, é difícil compreender por que as agendas empresarial e estrutural, ambas igualmente decisivas para a construção da competitividade, não ganham ênfase semelhante. O fato é que essas agendas, que constituem o cerne da política industrial, ainda carecem de consenso em vista de uma insuficiente coesão política sobre qual o desenho setorial e, muito importante, qual a distribuição regional de uma nova estrutura produtiva que se faz necessário implantar no país. O problema é que essas políticas têm longo prazo de maturação, enquanto uma parcela não desprezível da clientela da política industrial, porque está aglutinada em torno de projetos que objetivam a mera reprodução das estruturas existentes, quer resultados "para ontem". Sem avançar na agenda sistêmica, não será possível o salto da competitividade. Mas somente com ela, dificilmente se chegará muito longe. O curto-prazismo é, provavelmente, o maior obstáculo a ser enfrentado no esforço de destravamento institucional nessa direção. Se a competitividade é um antídoto contra a estagnação, como teria sido há vinte anos, ou vitamina para o crescimento, como parece ser o caso agora, não é o que mais importa. Realmente importante é que, em ambos os casos, a saída exige uma reestruturação industrial de grande fôlego. Na rodada de vinte anos atrás isso não ocorreu e, seguramente, vem dai boa parte dos problemas estruturais que ainda perseguem a indústria e a economia brasileira no presente. Vamos ver se agora vai. David Kupfer é professor e pesquisador licenciado do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES. As opiniões expressas são do autor e não necessariamente refletem posições do BNDES. |
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