quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Para uma guerra global, uma moeda global



Por Roberto Luis Troster

Desde os primórdios da história, os que se consideram mais fortes tentam aproveitar-se dos demais; quase sempre conseguem. É o caso das atuais políticas monetárias chinesa e norte-americana. Desvalorizam suas moedas, dando mais competitividade internacional a sua estrutura produtiva, prejudicando a de outras economias. Enriquecem à custa do empobrecimento alheio.
Os impactos dessa guerra cambial são globais, entretanto, são mais lesivos ao Brasil do que a outros países em razão de características do mercado local: uma tendência a valorizar o real, uma maior volatilidade nas taxas, defeitos no processo de formação de preços das divisas e custos de transação mais elevados. Sua origem está em distorções do sistema financeiro nacional.
O mercado de divisas brasileiro tem qualidades como uma câmara de ativos futuros sofisticada e uma dimensão considerável, mas também defeitos como uma regulamentação de negociação de divisas à vista ("spot") anacrônica, a composição da demanda de coberturas ("hedges") cambiais assimétrica, mecanismos de transmissão monetária emperrados, concentração de instituições e quase todas as negociações em uma única moeda.
Num mundo com incertezas ao futuro do euro e do dólar, há demanda por outras divisas internacionais
As sequelas no Brasil têm sido danosas, em especial para a indústria nacional que está perdendo mercados internos e no exterior, fechando postos de empregos e recebendo menos investimentos e para os contribuintes que pagam dezenas de bilhões de reais todos os anos com o carregamento das reservas internacionais. Em síntese a atuação monetária sino-americana lesa, e muito, o crescimento do país.
Agravando o quadro, o cenário para os próximos anos é de que o Brasil continuará a perder batalhas, as projeções apontam para a manutenção da tendência de valorização do real e para uma redução ainda maior da participação da indústria no PIB. É um sinal inequívoco de que a política neomercantilista de barreiras protecionistas, IOF, incentivos localizados e acumulação de reservas não apresenta os resultados almejados. Comprovadamente não funciona. Entretanto, há como enfrentar esse problema global.
A solução é globalizar o real. É oportuno e viável. Num mundo em turbulência cambial, com incertezas associadas ao futuro do euro e do dólar, há demanda por outras divisas internacionais, além do iene e da libra. O Brasil tem as condições necessárias para atender essa procura com sua moeda: tem uma participação relevante no comércio mundial, é a sexta economia mundial, seu sistema financeiro é sofisticado e sólido e já tem um embrião nesse sentido, que é o Sistema de Pagamentos em Moedas Locais. É questão de avançar.
As vantagens com a internacionalização são consideráveis. A mais importante é que se obteria uma taxa de câmbio mais competitiva favorecendo a indústria nacional. As outras são custos de transações do comércio exterior mais baixos, maior correlação com as taxas de juros internacionais (desvantagens para outros países, mas considerável para o Brasil), mais estabilidade ao sistema financeiro mundial que poderia diversificar mais os ativos, a economia de dezenas de bilhões de reais gastos atualmente com a política de reservas e menos volatilidade e vulnerabilidade cambial.
Em razão das vantagens que podem auferir com a internacionalização, alguns países têm projetos nesse sentido e estão avançando rapidamente; dois destaques são a Coreia do Sul e a China. Cada caso é um caso, e o Brasil também pode e deve fazer acontecer. É um processo que exige reformas e investimentos composto de quatro blocos: centro de negociação, modernizar o câmbio, mecanismos de transmissão e reformas; todos dependem apenas do poder Executivo.
A criação de um centro de negociação de divisas internacional (poderia até ser um offshore no Rio de Janeiro) tem vantagens consideráveis: 1) ajudaria a diluir a negociação de divisas, atualmente dez bancos respondem por 90% das transações; 2) facilitaria a conversão direta do real para outras moedas sem passar pelo dólar; 3) diminuiria a volatilidade do real; e 4) melhoraria o processo de formação da cotação do câmbio, atualmente a reboque das arbitragens de taxas de juros.
Modernizar o câmbio é a segunda prioridade. Apesar de alguns avanços, o tratamento ao câmbio não acompanhou as evoluções da estrutura produtiva, do comércio e das finanças. Devem ser eliminadas as restrições à posse e uso de divisas, inclusive permitir contas em moeda estrangeira. Além dos benefícios para a economia como um todo, haveria uma vantagem competitiva para o sistema financeiro nacional e uma alternativa adicional a todos os agentes para diversificar ativos.
Desobstruir os mecanismos de transmissão da política monetária no Brasil deveria ser uma prioridade, independentemente da globalização. É uma ineficiência que faz com que a taxa de juros neutra seja uma das mais altas do mundo, onerando as contas públicas e atraindo capitais especulativos. O mantra é desindexar e alongar prazos de ativos e passivos.
O quarto pilar é reformar, em especial a tributação. É razoável afirmar que a arrecadação do governo com as transações com o resto do mundo deve ser menor do que suas perdas em razão de investimentos que vão para outros países. A globalização demanda adaptações internas.
A agenda do desenvolvimento brasileira é mais extensa, e este seria um passo importante. A atual equipe econômica tem méritos em querer mudar algumas coisas, com destaque colocar na agenda a produtividade e a competitividade. Cometeu alguns equívocos, faz parte. Especificamente, protestar em fóruns internacionais não vai influenciar os Estados Unidos e China para que alterem suas estratégias. O Brasil tem a escolha de continuar com a atual postura ou mudar e parar de fazer o jogo que convém a eles. Fica a dúvida, qual será?
Roberto Luis Troster, da Troster e Associados, é doutor em economia pela USP e foi economista-chefe da Febraban, da ABBC e do Banco Itamarati. robertotroster@uol.com.br


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