O aumento da população mundial aliado ao crescimento da renda e do poder aquisitivo das famílias estimula a abertura de novas fronteiras agrícolas e comerciais, mas, paradoxalmente, estabelece novos desafios a serem vencidos pelos produtores rurais. Estudo realizado pela Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (FARSUL), apresentado durante um painel na EXPOCARAZINHO 2012, revela as principais demandas do setor e expõe uma agenda de compromissos necessários para garantir a sustentabilidade do agronegócio brasileiro
Produzir mais, para uma população 35% maior, com menos recursos, mais pragas e com pressão ambiental e climática cada vez maiores. Este é um dos principais desafios que a agricultura em âmbito global terá de enfrentar para contribuir com a erradicação da fome no planeta até 2050 – quando atingirmos 9,1 bilhões de pessoas habitando a Terra, ante as 6,8 bilhões atuais.
Em 2050, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que a subsistência de 70% da humanidade será garantida por apenas 30% da população. “Daqui a 38 anos, o meio rural no mundo todo será composto por apenas 30% da população. Isso significa dizer que estes 30% irão produzir para si e para os outros 70% que residem nas cidades”, comentou o economista chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (FARSUL), Antônio da Luz, durante um painel promovido pelo Sindicato Rural de Carazinho na EXPOCARAZINHO 2012.
Organizado para discutir, em várias regiões do Estado, os desafios da agricultura até 2050, o encontro despertou no público questionamentos sobre o papel do setor agropecuário brasileiro no cenário internacional e mostrou que o Brasil ainda precisa resolver uma série de problemas estruturais internos antes de tornar-se a agricultura mais rentável e produtiva do mundo. “E esses são desafios e metas que não podemos deixar para depois, porque essas modificações globais não irão acontecer no dia 31 de dezembro de 2049. O mundo todo está passando por um período de transformações e de crescimento populacional acelerado. E é nosso dever, enquanto produtores rurais, prospectar como transformar isso em renda”, argumentou Luz, explicando que “não importa se, em 2050, as pessoas estarão felizes ou tristes, se terão muito ou pouco dinheiro ou se irão se locomover em espaçonaves ou aviões. O importante é que essas pessoas terão de comer. E isso sim é problema nosso”.
Deslocamento demográfico: novos mercados consumidores
Na esteira da evolução populacional, os países e continentes experimentarão períodos distintos. O economista da FARSUL alerta que o aumento demográfico não será uniforme. “Dados da ONU revelam que a Europa tende a diminuir sua população, enquanto que os continentes asiáticos e africanos somarão, juntos, mais de 2 bilhões de habitantes. Isso muda bastante coisa, porque a concentração populacional e a renda será deslocada para essas novas regiões consumidoras, criando outras fronteiras agrícolas e comerciais”, apontou Luz, salientando que esses novos mercados necessitam de atenção imediata. “A África, por exemplo, não é um bom país para se comercializar. Não porque eles não tenham demanda, mas sim porque não há infraestrutura de estradas, portos e armazéns. Porém, é um mercado em franco crescimento que demanda produção. Da mesma forma acontece com a Ásia. E se essas pessoas precisam comer, elas vão ser nossas clientes, o que deve começar a nos preocupar desde agora”.
O economista chefe da FARSUL, Federação responsável pela elaboração de um estudo técnico sobre os principais entraves produtivos do Brasil, admite que o cenário é totalmente positivo para os produtores rurais brasileiros, desde que os Poderes Públicos – União, Estado e Municípios – cumpram com seus papeis. “Diferentemente de outros países onde a agricultura é subsidiada, no Brasil não precisamos de incentivos governamentais para produzir. Para nós, basta que o governo não nos atrapalhe. Essa é a principal ajuda que solicitamos”, declarou Luz, admitindo que o setor enfrenta problemas como o endividamento rural, mas que isso, na avaliação do economista, é uma pequena parcela de um todo. “Nós somos muito eficientes no que fazemos, embora a sociedade, de um modo geral, acredite que a agricultura gera um baixo valor agregado. O que nós, da FARSUL, tentamos mostrar é que esse pensamento não condiz com a realidade e não é essa a visão que o país deveria ter se estivesse realmente preocupado com o desenvolvimento econômico e com o potencial produtivo a ser explorado”.
“O que a agricultura precisa é que não atrapalhem o setor”, disse o economista
Luz define o agronegócio brasileiro – sobretudo quando analisado sob a ótica do cenário internacional e os desafios de acabar com a fome no mundo – como “altamente dinâmico” e que não pode ser atrapalhada por políticas ineficientes. “Há esse desafio de alimentar o mundo em 2050 e ampliar as fronteiras comerciais com os novos países consumidores. Para isso, precisamos, por exemplo, produzir com um preço justo. É inaceitável que tenhamos um custo de produção muito superior do que os nossos concorrentes, porque isso nos tira competitividade. E a carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo”, mencionou ele, citando o exemplo das máquinas agrícolas. “Esses implementos custam, no Brasil, até 50% a mais do que na Argentina, no Uruguai e nos Estados Unidos. E isso por conta da carga tributária. E, além disso, não podemos importar esses produtos. Quer dizer, somos obrigados a pagar a maior carga tributária do mundo e ainda estamos impossibilitados de importar equipamentos que poderiam reduzir nossos custos”.
Para o economista, alimentar o mundo em 2050 é uma tarefa que irá exigir muitos investimentos estruturais e logísticos, pois, sem eles, pode tornar-se inviável continuar produzindo no Brasil. “Os senhores comemoram o preço da soja, mas esquecem-se de que têm um dos maiores custos de produção entre todos os países. O Brasil não é um país de agricultura familiar. A nossa agricultura é altamente competitiva, mas não é rentável. Nos EUA e na Argentina ela é muito mais viável economicamente do que aqui, que podemos nos equiparar com a Europa onde, por sinal, existem subsídios governamentais. No Brasil, nem precisamos de subsídios, mas sim de condições de competir, o resto a gente faz com que aconteça. O custo operacional da soja no nosso país é o dobro do custo da Argentina. Ou seja, não há condições de nos tornarmos a fonte produtora de alimentos para o mundo tendo que enfrentar situações adversas como estas”, enumerou Luz.
Mercado interno x exportação
Um dos tópicos técnicos abordados no painel da EXPOCARAZINHO 2012 discutiu a relação entre o abastecimento do mercado interno e a exportação de alimentos. Conforme o economista, em 2050 a renda média das pessoas deve ser 84% superior do que é hoje. “E o Brasil está muito mais perto dos países ricos do que dos pobres. Isso significa que nossa população, na média, se alimenta bem. E com o aumento de renda, a demanda por alimentos deve crescer na mesma proporção ou de maneira mais incisiva, refletindo em diversos segmentos produtivos, como o de carne bovina, por exemplo”, afirmou Luz.
O economista da FARSUL cita que o brasileiro é o povo que mais consome carne no mundo. “E isso é justificável porque a nossa produção interna é bastante expressiva. E mesmo que o nosso consumo seja significativo, temos capacidade de abastecer nosso mercado e ainda exportar para diversos países”, justificou, advertindo, contudo, que a tendência é de que haja uma redução na oferta interna. “Com o crescimento comercial e populacional dos demais países, a nossa produção será comercializada para o exterior, fazendo com que haja redução interna de oferta e gerando um consequente aumento no preço da carne bovina”.
Para estabilizar esse quadro futuro, Luz destacou que a produção, sobretudo a de grãos, terá que ser ampliada. “Neste ponto há outro desafio, que é o de conseguir produzir mais sem ampliar as áreas agricultáveis, embora haja consenso de que o Brasil poderia aumentar suas lavouras sem derrubar uma única árvore, tendo em vista que apenas 14% do território é utilizado para as atividades agropecuárias”, disse, atestando que para tornar o país o principal produtor de alimentos do mundo é necessário cumprir uma agenda de metas, solucionando os problemas e antecipando suas consequências. “A estabilidade mundial talvez não seja dada pela oferta de água ou petróleo, mas pela oferta de alimentos. E para quem produz, o panorama que se descortina é muito bom”, encerrou.
09/10/2012
Diário da Manhã - Passo Fundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário