Por enquanto só há uma certeza sobre o aquecimento global: duvidar das previsões catastrofistas pode ser mais arriscado que se preparar para o pior.
A mobilização internacional em torno do aquecimento global tem sido tamanha que é cada vez mais comum ouvir uma reação cética. "Para que tanto alarme?", perguntam. "Por que devemos acreditar no que dizem os cientistas se eles mal conseguem prever se vai chover amanhã?"
Um grupo de cientistas, políticos e economistas tem questionado as previsões alarmistas de modo bastante persuasivo. O maior expoente desse grupo de céticos é o estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg, autor do livro O Ambientalista Cético, publicado em 2001. No livro, Lomborg pinta um quadro otimista do futuro do planeta. De acordo com ele, as previsões dos especialistas em clima são exageradas. Outro representante célebre da comunidade cética é o escritor de ficção científica americano Michael Crichton. Em seu romance Estado de Medo, de 2004, Crichton cria uma trama em que ecoterroristas usam pseudociência para ameaçar reféns. "A sociedade ocidental está assombrada por medos exagerados ou inadequados", diz Crichton. Ele foi recebido recentemente pelo presidente americano George W. Bush - outro cético famoso em relação ao clima - em jantar na Casa Branca saudado por um resenhista da revista americana New Yorker como um encontro entre dois dos maiores autores de ficção sobre terrorismo do planeta.
Ironias à parte, os céticos levantam uma questão essencial: até que ponto podemos confiar nas previsões dos cientistas sobre o clima? "Há mais dúvidas que certezas", afirma o administrador de empresas João Luiz Mauad, um estudioso que acompanha de perto o debate em torno do aquecimento global. "Os céticos me parecem muito mais bem fundamentados que os outros. O aquecimento global virou um negócio, há muito dinheiro envolvido em pesquisa e, por isso, os cientistas estão forçando a barra. Apelar para um suposto consenso é uma velha estratégia para evitar o debate."
O tal consenso vigente entre os pesquisadores - formado pela elite científica que integra o maior painel sobre clima do mundo, o IPCC - afirma que nosso planeta está ameaçado por causa da ação humana. E bastariam 3 graus Celsius de aumento na temperatura do planeta para a Terra ficar irreconhecível. Tais previsões são baseadas em estudos de probabilidades, alimentados pelo conhecimento científico mais avançado até agora. De concreto, pode-se dizer que, provavelmente, assim como houve diversas outras eras em que o planeta esquentou e esfriou, estaríamos entrando numa fase de aquecimento global mesmo sem a interferência humana. Mas também é possível afirmar que, com certeza, a ação humana, por meio da emissão de gases, é uma grande contribuição para o aquecimento da atmosfera. Nossas certezas acabam aí. É bom que o debate em torno do aquecimento global seja movido pela incerteza. O ceticismo sempre fez a ciência evoluir. A seguir, tentamos apresentar o que se sabe sobre as principais dúvidas que cercam o aquecimento global.
Como é possível prever o clima do futuro se os pesquisadores erram até a previsão do tempo?
A meteorologia pertence a um grupo de disciplinas conhecidas como ciências da complexidade. Como o próprio nome diz, são ciências complexas. O maior exemplo disso é o clima da Terra, um fenômeno que envolve um sem-número de variáveis. Vários fatores se comportam praticamente ao acaso, como a pressão do ar e o comportamento dos ventos. Por isso, toda previsão está sujeita a fatores imponderáveis, que impedem previsões precisas. É virtualmente impossível, por exemplo, saber se vai chover ou fazer sol no dia 25 de dezembro deste ano em São Paulo. Mas as ciências da complexidade têm uma característica peculiar: embora não permitam previsões com alto grau de precisão, permitem detectar tendências nos fenômenos. Embora não dê para dizer se vai chover no Natal, é corriqueiro prever com grande precisão quanta chuva vai cair em dezembro. "O clima dos últimos três verões foi bastante parecido em São Paulo", diz Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Isso significa que a média de temperatura variou pouco e a quantidade de chuva que caiu na região foi equivalente à de outros anos. É por isso que errar na previsão do tempo não significa errar na previsão do clima.
Como os cientistas sabem como estará o clima da Terra em 2100?
As grandes equações que tentam prever o clima futuro são aceitas como seguras porque foram testadas, antes, para prever o passado. Com base no comportamento de variáveis climáticas como correntes marinhas, ventos e incidência dos raios solares, os cientistas constroem, em computadores, modelos capazes de simular o clima. A primeira coisa que eles fazem é testar esses modelos com variáveis do passado. Os computadores tentam calcular como teria sido o clima em 1950 ou 1901. Em seguida, os pesquisadores levantam os registros históricos de observações meteorológicas para conferir se os modelos acertaram ou erraram. E tentam adaptá-los e corrigi-los, progressivamente. Os modelos estão cada vez mais sofisticados. Nos anos 90, as simulações passaram a ser feitas em supercomputadores, com novas variáveis atmosféricas e um volume maior de informações.
Por que só agora os cientistas dizem que há consenso sobre o aquecimento global?
Num dos primeiros encontros mundiais sobre mudança climática, em 1975, em Toronto, metade dos cientistas imaginava que a Terra esquentaria, a outra metade estava certa de que o planeta esfriaria. De lá para cá, o conhecimento evoluiu. Os últimos cinco anos foram decisivos. Havia poucos modelos climáticos e eles eram deficientes. Os modelos de clima não consideravam a influência de alguns ciclos naturais, como a circulação do gás carbônico na Floresta Amazônica. Entre 1990 e 2001, os pesquisadores consideravam apenas 12 modelos em suas previsões. O relatório divulgado em fevereiro deste ano considerou os 20 modelos climáticos mais confiáveis. Cada um foi desenvolvido por um centro de pesquisas independente. "Ter mais modelos significa mais embasamento teórico para um consenso", diz o climatologista holandês Paul Crutzen, prêmio Nobel de Química em 1995. "Os modelos de computador s não chegam exatamente ao mesmo resultado. Mas todos apontam a mesma tendência: o planeta vai continuar esquentando pelos próximos 2 mil anos", diz o geógrafo Jack Williams, da Universidade de Wisconsin-Madison, dos Estados Unidos.
A Terra já enfrentou períodos quentes e frios. Por que acreditar que nós, seres humanos, somos responsáveis pela mudança climática atual?
É fato que o planeta passou por períodos de frio e calor antes de os humanos o ocuparem. "A diferença é que esses períodos de aquecimento e resfriamento da Terra duraram milhares de anos", diz Peter Cox, professor de Dinâmicas de Mudanças Climáticas da Universidade de Essex, no Reino Unido. "O planeta nunca se aqueceu tão rapidamente." Há outra razão científica para acreditar que o homem vem sendo responsável por este aquecimento. Os modelos climáticos só conseguem explicar o aquecimento global dos últimos séculos quando consideram os gases despejados pelo homem. Não há processos naturais conhecidos que expliquem o fenômeno. "É por essas duas razões principais que, pela primeira vez na História, os pesquisadores chegaram a um consenso: o homem é o principal agente da mudança climática", afirma Cox.
Como os cientistas podem dizer que um aumento de apenas 3 graus na temperatura fará tanta diferença?
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores comparam as condições climáticas de hoje com as do passado. Estudos do clima na Pré-História mostram como era a atmosfera terrestre até milhões de anos atrás. Isso é possível pela análise de bolhas de ar que ficaram presas em blocos de gelo do Ártico e da Antártida. Eles sabem a idade das bolhas pela profundidade em que foram encontradas (o gelo se acumula em camadas ao longo dos milênios). Para prever como seria a Terra 3 graus mais quente, os cientistas estudam o último período em que o planeta alcançou tal temperatura, entre 120 mil e 100 mil anos atrás. "A temperatura estava exatamente na faixa esperada para o fim deste século", diz o climatologista americano Kerry Emanuel, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Na época, o aumento na temperatura foi provocado por alterações na órbita da Terra em relação ao Sol. Geólogos que estudam erosão, sedimentação e as mudanças do litoral do planeta ao longo dos milhões de anos sugerem que metade da Groenlândia e parte da Antártida derreteram há 120 mil anos. O mar estava até 6 metros mais elevado que hoje. Esse retrato da Terra daquela época ajuda a ilustrar o que poderá acontecer neste século.
Qual o grau de acerto dos cientistas em suas previsões?
Um estudo publicado em fevereiro na revista científica Science analisou as previsões dos três relatórios do painel climático da ONU, o IPCC, nos últimos 15 anos. A conclusão foi surpreendente. De acordo com a análise, os últimos relatórios erraram. O painel não acertou os índices de emissão de gás carbônico, nem o aumento do nível do mar, nem o aumento da temperatura global. Mas os erros ocorreram dentro da margem prevista e, o mais importante, de modo conservador. A temperatura, o nível do mar e a emissão de poluentes subiram mais que o previsto. "É por isso que, até agora, o IPCC só pode ser acusado de excesso de cautela", diz Paulo Artaxo, pesquisador da Universidade de São Paulo. A valer a conclusão dessa análise, preparar-se para o pior pode ser mais sábio que duvidar das previsões catastrofistas.
Luciana Vicária
10/09/2008
Nenhum comentário:
Postar um comentário