Não tem nada a ver com rebanho, muito menos com o produtor. O problema está fora da porteira. Ainda assim, infelizmente, não há como dissociar a ação da reação em todos os elos da cadeia produtiva. Colocar o leite sob suspeita é provocar prejuízos inestimáveis, como também incalculáveis, do campo à mesa do consumidor. A causa, porém, inquestionável, é mais que legítima. Ou seja, a operação Leite Compensado vai muito além da fraude pelo benefício econômico. Ao envolver questões de segurança alimentar, o crime torna-se qualificado, por atentar contra a saúde pública e o bem-estar da população.
O importante é separar o joio do trigo, o leite bom do leite ruim, as boas empresas e boas marcas daquelas oportunistas, irresponsáveis e descomprometidas com a cadeia produtiva. Como fazer isso? O Ministério Público, a Justiça e a autoridade policial têm a competência legal para identificar, corrigir e punir pessoas e empresas envolvidas. Mas como ficam os produtores de leite, as cooperativas e laticínios idôneos? Quem não deve não teme, é verdade. Mas neste caso, direta ou indiretamente paga o preço junto com aqueles que agiram de má-fé.
É preciso entender e compreender que tem muita empresa boa no mercado. O produto ruim, adulterado, é que é a exceção. E uma forma de reduzir o impacto negativo em toda a cadeia é a conscientização e o esclarecimento da população de que nem tudo é fraude. Do lado das autoridades é preciso rapidez na apuração dos fatos, do inquérito policial à agilidade no resultado das amostras das análises dos investigados. Se há laticínios e pessoas alegando inocência, quanto mais demorada for a investigação, maior o prejuízo financeiro e à imagem dessas empresas, do produtor e da atividade.
O produtor que entrega ou entregava leite para as empresas que estão sendo investigadas é o primeiro impactado. Com o recolhimento das marcas sob suspeita cai consumo, reduz ou cessa a atividade industrial e, por consequência, a captação. Na ponta do consumidor, inevitável a sensação de insegurança, que afeta e reduz o consumo do produto mais nobre da dieta alimentar da população, no Brasil e no mundo. Assim, a retomada, o resgate da indústria do leite depende primeiramente da celeridade das investigações e da punição dos responsáveis, sejam eles pessoas ou empresas, o público ou o privado.
Por que o público? Porque se há fraude é porque há falhas no processo de inspeção e rastreamento do produto e cabe aos órgãos públicos, em especial ao Ministério da Agricultura (Mapa), garantir a sanidade dos produtos agropecuários. Se do lado do privado adulterar é crime, ao permitir a fraude o público é, no mínimo, corresponsável, mesmo que involuntariamente – embora não esteja descartada a participação de fiscais do Mapa no esquema. Até porque não dá para imaginar que milhões de litros de leite saiam das propriedades, cheguem à indústria e vão parar nas gôndolas dos supermercados sem a devida inspeção e fiscalização.
Paraná e Rio Grande do Sul, estados que estão no centro da crise, são responsáveis pela produção de quase 8 bilhões de litros por ano. Eles dividem a segunda colocação no ranking nacional de produção. O primeiro colocado é Minas Gerais, terra do atual ministro da Agricultura, Antônio Andrade, com quase 9 bilhões de litros por ano. O próprio ministro, inclusive, é produtor de leite. Ou seja, o leite produzido no Sul, assim como a fraude que está sendo investigada, não é um problema somente dos estados do Sul. Depois de industrializado, o produto é distribuído para vários estados brasileiros. Isso quando não é exportado, na versão em pó ou de outros derivados, como queijo ou bebidas lácteas.
O Paraná também detém o status de uma das maiores e mais tecnificadas bacias leiteiras do país. A Região dos Campos Gerais, berço da imigração holandesa, tem um dos rebanhos mais produtivos, conduzidos pelas cooperativas Capal, Castrolanda e Batavo. A produção e industrialização de leite estão no DNA dessas comunidades. O negócio deles é leite, com o diferencial de que eles estão em todos os elos da cadeia produtiva, o que limita as possibilidades de fraude. Há maior controle de todas as etapas da produção, do campo ao laticínio, quase que sem atravessadores. Não dá, portanto, para comparar os diferentes como iguais. Não dá para deixar de tomar leite por causa de uma ou outra empresa, de uma ou outra pessoa.
Bem como não dá para ignorar que há falhas no processo que precisam ser corrigidas. Controlar e rastrear a produção é o mínimo que se espera das autoridades. Ninguém está livre dos criminosos de plantão. Mas adulterar milhões de litros não é o mesmo que fraudar o produto que sai de uma fazenda ou que chega na casa de um consumidor. Estamos falando de milhares de produtores e de milhões de consumidores. Aliás, esta aí a pergunta a ser respondida. Como e há quanto tempo isso tem sido permitido?
28/05/2013
Giovani Ferreira
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