GERSON TEIXEIRA
Nos últimos dois anos, foram desapropriados apenas 130 mil hectares; desempenho tão pífio que, desde 1985, só rivaliza com o período Collor
Na década de 1990, as organizações dos trabalhadores do campo combateram, com êxito, a implantação, no Brasil, das estratégias do Banco Mundial para as áreas rurais da América Latina, centradas na chamada reforma agrária de mercado. No auge do neoliberalismo, pretendia-se delegar ao mercado o poder regulatório sobre a questão agrária brasileira.
Restou que os instrumentos de compra e venda de terra ficaram nas franjas institucionais. Tanto que, de 1995 a 2002, a desapropriação de grandes propriedades alcançou 10,3 milhões de hectares contra 4,3 milhões nos oito anos seguintes.
Assim, em termos de "obtenção de terras privadas para a política de assentamentos" (grifei), "bons tempos" os anos de 1990! Afinal, por força das lutas sociais, as desapropriações, com as insuficiências e anomalias conhecidas, foram preservadas, e as restritas operações de compra e venda de terras continham uma réstia redistributiva, pois transferiam para os camponeses frações de grandes propriedades.
Hoje, percebemos sinais em sentido oposto. Terras da União sob o controle dos assentados poderão vir a ser transferidas para as grandes propriedades. É o desfecho esperado da proposta de emancipação dos assentamentos abandonados pelos poderes públicos.
Sugerida pela entidade máxima do agronegócio, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a emancipação traduziria a sensibilidade social da sua presidente pela "libertação dos assentados". O alvo real: a expectativa de apropriação, pelo agronegócio, de milhões de hectares dos assentados, a exemplo do que ambicionam com as suas lutas pela subtração dos territórios indígenas, quilombolas e das áreas protegidas em geral.
Entre as medidas do "pacote da CNA", supostamente acolhido pelo governo, constariam também a regularização "de ofício" dos imóveis localizados às margens das rodovias federais na Amazônia, o que equivaleria ao "carnaval do grilo". E, ainda, a facilitação da ratificação dos títulos das propriedades nas faixas de fronteiras indevidamente emitidos pelos Estados.
Nos últimos dois anos, foram desapropriados apenas 130 mil hectares; desempenho tão pífio que, desde 1985, só rivaliza com o período Collor. Comenta-se que tal desempenho resultou da imposição, pela Casa Civil, do limite de R$ 100 mil por família nos projetos de assentamentos. O equívoco do limite deve-se à sua forma irrefletida. Até as cercas dos latifúndios sabem que a desapropriação gera enormes ganhos indevidos aos seus donos, graças à persistência de legislações lenientes e jurisprudências duvidosas.
Exemplo: enquanto a taxa Selic, na atualidade, é de 7,25% aa e a inflação, menor ainda, os juros compensatórios, indevidamente aplicados sobre os valores da desapropriação contestados em juízo, são de 12% aa. Então, em vez de se extinguir anomalias da espécie, opta-se por um corte arbitrário que inviabiliza de vez a desapropriação.
Mas, esse é apenas um detalhe de uma mudança essencial. Efetivadas as medidas anunciadas, a política agrária terá "evoluído" do seu tradicional perfil restrito de contenção de conflitos sociais em proteção ao latifúndio/agronegócio para um estágio de funcionalidade direta às necessidades da própria expansão do agronegócio. Transição equivalente ocorre com a política ambiental.
Em suma, a sedução e a rendição política aos quase US$ 100 bilhões gerados pelas exportações do agronegócio poderão levar o Brasil a cenários sombrios de um "abismo agrário-ambiental". A presidente Dilma Rousseff, que vem enfrentando com coragem interesses econômicos poderosos em defesa do povo brasileiro, haverá de rever esses rumos desastrosos das políticas agrária e ambiental.
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